É preciso simplificar mais
Quem viu uma apólice de seguro anterior ao plano Real deve ficar admirado ao ler os clausulados atuais. Naquela época, as apólices eram escritas no chamado “segurês”, uma linguagem hermética, volta e meia sem sentido, em função do uso indevido de palavras em português, mas principalmente pela tradução mal feita de termos e expressões em inglês.
O pior é que não eram apenas os segurados que não entediam o que aquilo queria dizer. Volta e meia os próprios funcionários das companhias criavam interpretações absolutamente individuais e personalíssimas do que uma determinada cláusula dispunha, gerando problemas terríveis para os segurados, que deixavam de receber indenizações de sinistros cobertos, porque alguém no departamento de sinistros achou que tal palavra deveria ter tal significado, normalmente o oposto do que o bom senso ou o dicionário apontavam como correto.
Ao longo destes anos as apólices evoluíram de forma impressionante, mostrando a forte sintonia e a preocupação da atividade seguradora com os direitos do consumidor.Atualmente os contrato de seguro de massa, como os de automóveis ou residenciais, e mesmo os empresariais são escritos num português simples, de fácil compreensão, além de virem invariavelmente acompanhados de um manual do segurado, onde os termos mais complexos, obrigatórios em função das tipicidades do contrato, são explicados de forma detalhada, clara e descomplicada.
Feitas para facilitar a vida dos segurados e para minimizar problemas em função de interpretações divergentes, as apólices modernas são, na maioria, documentos de leitura direta e de fácil entendimento, o que tem reduzido o número de reclamações com base em mal-entendidos por conta de redação complicada ou hermética.
Mas, se já se andou muito, ainda há muito que se andar. A estrada está apenas no começo e, se a atividade pretende, como parece, dispor produtos para as camadas mais baixas da população, então será necessária uma nova onda de revisão das cláusulas, pois da forma como são escritos hoje, dificilmente serão entendidos pelo consumidor destas camadas sociais.Não é possível esquecer que quase 45% da população brasileira é analfabeta. Dezenove milhões de pessoas são completamente analfabetas e o restante, analfabetos funcionais, que são pessoas que aprenderam a ler e a escrever, mas que não entendem o que lêem ou escrevem.
Como boa parte destes cidadãos compõe as classes C e D e são elas que precisam ser atendidas e este atendimento tem de se dar, obrigatoriamente, de forma muito simples, em função do custo unitário máximo possível para cada contrato de seguro, a eliminação dos pontos de atrito, ou ruídos no meio do negócio, tem de ser eficiente.
Em primeiro lugar, o segurado precisa entender claramente o que está comprando e o quê ele está pagando para ter aquilo que lhe foi prometido. Em segundo lugar, ele precisa confiar num pedaço de papel onde estão escritas as responsabilidades da seguradora e as formas de se desincumbir delas. Em terceiro, ele precisa saber que nem tudo está coberto pelo seguro que ele contrata.
Num país onde seguro é matéria estranha em quase todos os níveis da sociedade, ao ponto de juízes de direito confundirem prêmio com indenização, esta tarefa não será fácil. É por isso que o momento de começar é já. Não tem como estas camadas sociais serem atendidas se antes os seguros para elas não estiverem desenhados para criar o mínimo de atrito, pela simplificação das coberturas e pela simplificação do vocabulário, colocando-lhes nas mãos algo que eles precisam e que entendam.
Antonio Penteado Mendonça - advogado, professor da FIA/FEA-USP e da FGV-SP e titular da Academia Paulista de Letras. E-mail: advocacia@penteadomendonça.com.br
O pior é que não eram apenas os segurados que não entediam o que aquilo queria dizer. Volta e meia os próprios funcionários das companhias criavam interpretações absolutamente individuais e personalíssimas do que uma determinada cláusula dispunha, gerando problemas terríveis para os segurados, que deixavam de receber indenizações de sinistros cobertos, porque alguém no departamento de sinistros achou que tal palavra deveria ter tal significado, normalmente o oposto do que o bom senso ou o dicionário apontavam como correto.
Ao longo destes anos as apólices evoluíram de forma impressionante, mostrando a forte sintonia e a preocupação da atividade seguradora com os direitos do consumidor.Atualmente os contrato de seguro de massa, como os de automóveis ou residenciais, e mesmo os empresariais são escritos num português simples, de fácil compreensão, além de virem invariavelmente acompanhados de um manual do segurado, onde os termos mais complexos, obrigatórios em função das tipicidades do contrato, são explicados de forma detalhada, clara e descomplicada.
Feitas para facilitar a vida dos segurados e para minimizar problemas em função de interpretações divergentes, as apólices modernas são, na maioria, documentos de leitura direta e de fácil entendimento, o que tem reduzido o número de reclamações com base em mal-entendidos por conta de redação complicada ou hermética.
Mas, se já se andou muito, ainda há muito que se andar. A estrada está apenas no começo e, se a atividade pretende, como parece, dispor produtos para as camadas mais baixas da população, então será necessária uma nova onda de revisão das cláusulas, pois da forma como são escritos hoje, dificilmente serão entendidos pelo consumidor destas camadas sociais.Não é possível esquecer que quase 45% da população brasileira é analfabeta. Dezenove milhões de pessoas são completamente analfabetas e o restante, analfabetos funcionais, que são pessoas que aprenderam a ler e a escrever, mas que não entendem o que lêem ou escrevem.
Como boa parte destes cidadãos compõe as classes C e D e são elas que precisam ser atendidas e este atendimento tem de se dar, obrigatoriamente, de forma muito simples, em função do custo unitário máximo possível para cada contrato de seguro, a eliminação dos pontos de atrito, ou ruídos no meio do negócio, tem de ser eficiente.
Em primeiro lugar, o segurado precisa entender claramente o que está comprando e o quê ele está pagando para ter aquilo que lhe foi prometido. Em segundo lugar, ele precisa confiar num pedaço de papel onde estão escritas as responsabilidades da seguradora e as formas de se desincumbir delas. Em terceiro, ele precisa saber que nem tudo está coberto pelo seguro que ele contrata.
Num país onde seguro é matéria estranha em quase todos os níveis da sociedade, ao ponto de juízes de direito confundirem prêmio com indenização, esta tarefa não será fácil. É por isso que o momento de começar é já. Não tem como estas camadas sociais serem atendidas se antes os seguros para elas não estiverem desenhados para criar o mínimo de atrito, pela simplificação das coberturas e pela simplificação do vocabulário, colocando-lhes nas mãos algo que eles precisam e que entendam.
Antonio Penteado Mendonça - advogado, professor da FIA/FEA-USP e da FGV-SP e titular da Academia Paulista de Letras. E-mail: advocacia@penteadomendonça.com.br